sábado, 19 de junho de 2010

Os Sonhos e a Kabbalah

Segundo nossa tradição, o sono corresponde a 1/60 avos da morte. A nefesh habamit (alma animal) reencontra seu lugar em malchut (reino); o ruach (espírito?) volta ao lugar ao qual está ligado. Um ruach puro reencontra, assim, o gan éden (paraíso), vai à escola do mundo superior onde aprende a Torah. Mas cada um segundo o seu nível; e se ele está ligado à exterioridade, às coisas do mundo, ele errará segundo suas afinidades.

O corpo é mantido por um fio, ligação necessária da alma para manter suas funções vitais. A alma reencontra, assim, os mundos superiores e passeia segundo suas afinidades. Têm lugar, assim, os sonhos, nos transmitindo impressões que são, em seguida, traduzidas ao alcance do consciente.

Seguem aqui algumas considerações sobre este assunto. Citarei um artigo, muito longo, mas interessante, de Spartacus (Spartakus FreeMann, 15 Ellul 5764), publicado no site hermesia. Em razão da extensão do artigo e da riqueza das citações, deixo ao leitor as partes mais importantes para a reflexão e para o estudo, sem maiores comentários.


“Mesmo que tenha escondido minha face à Israel, Eu quero me comunicar com ele pelos sonhos” (Chagigah 5b).


Segundo o Zohar I, 183b, “nada se materializa neste mundo sem que tenha sido antes revelado a uma pessoa em um sonho”; e, Zohar I, 251b, “antes de tudo, os decretos da Corte Celeste são mostrados nos sonhos aos filhos do homem; em seguida, após um curto lapso de tempo, as coisas acontecem”.

“Um sonho pode nos revelar nossos pensamentos íntimos os mais secretos e os que mais recusamos, nossos medos, nossas aspirações, nossos desejos (ver Berachot 55b). Em uma palavra, o sonho é uma arma, um elemento de poder que possui o ser humano para compreender e apreender a Criação e seu Criador. Ainda, segundo Berachot 55b, há três tipos de sonhos que se realizam: um sonho matinal, um sonho de um amigo que nos diz respeito, um sonho interpretado em meio mesmo de um sonho.”


Zohar I 183b, 199b: “um sonho que não é interpretado é como uma carta que não foi lida; ele se realizará mesmo que não estejamos conscientes”.


Percebemos (ou recebemos) o sonho como uma descarga energética, como um flash de luz, que nos imprime com uma sensação. Em seguida, nós a traduzimos de forma que ela possa ser entendida por nosso consciente, por imagens e dizeres, sons, cores ou odores. (Todos esses elementos fazem parte da percepção do homem, e também dos korbanot (sacrifícios, serviço do Templo).) Mas esta lembrança não é senão uma leitura literal; sua interpretação implica em encontrar a mensagem que ela esconde.


“O Criador nos fez de modo a que a parte divina de nossa alma pudesse ser de certo modo, liberada de seus laços físicos durante o sono. Os aspectos superiores da alma se elevam e se separam do corpo. Um aspecto da parte divina da alma permanece junto à parte inferior da alma. Os aspectos liberados se movem em certos reinos espirituais e lá são implicados, ou seja, com forças espirituais que se encontram na natureza, ou seja, com anjos e demônios. Eles experimentam o que está determinado para eles neste reino. Às vezes, quando eles se encontram nas esferas superiores, eles podem transmitir informações recebidas para a alma que ficou


em baixo. Isto desperta a imaginação e produz imagens mentais. Por vezes a informação é verdadeira, por vezes é falsa, dependendo da fonte da informação. A informação entra na imaginação e se mistura com outros pensamentos, desejos e fenômenos físicos, que perturbam a transmissão. Outras vezes, as informações nos chegam claramente” (Rav Moshé Chayim Luzzatto, O Caminho de D-eus – Derech Hashem – III, 1:6).

“Segundo o Talmud (Berachot 55b), na época do Segundo Templo, haviam 24 intérpretes de sonhos que faziam disto sua profissão. Um dia, Rav Bina’ah teve um sonho e foi à cada um dos intérpretes para conhecer o seu significado. Os 24 intérpretes deram um significado diferente. Isto poderia significar que as 24 interpretações seriam falsas, mas, entretanto, Rav Bina’ah relata em seguida que todas as 24 interpretações se realizaram. Isto quer dizer que o sonho se realizou de 24 modos diferentes na vida de Rav Bina’ah. Isto nos indica que a interpretação do sonho é tão importante quanto o sonho em si e o Zohar I, 183b adverte: “não se deve nunca contar os sonhos a qualquer pessoa, mas somente a um amigo próximo”.

“Aquele que é capaz de discernir o conteúdo da imaginação é alguém que está livre dos desejos físicos como Yossef, que dominou o desejo pelas mulheres, e Daniel que dominou o desejo pelo alimento. Eles podiam interpretar os sonhos. Isto porque a raiz de todos os pensamentos reside nos desejos. Os desejos provocam a imaginação no espírito. Uma pessoa absorvida por pensamentos controlados pelos desejos não pode extrair a essência da verdade que repousa no seio destes pensamentos.” (Tzikas HaTzadik, Secção Sete, Nota 203).

“O Talmud, tratado Berachot, está repleto de instruções relativas às interpretações dos sonhos, e Rav Shelomo Almoli igualmente escreveu um magnífico manual de interpretação dos sonhos, o Sefer Pitron Halamot.”

“Seguem-se alguns exemplos de interpretação, dados pelo Zohar:


- ver um camelo (gemal) em um sonho é signo de que a pessoa foi condenada à morte, mas que foi poupada da sentença (Zohar II, 236a).

- ver a letra Teth significa algo de bom no futuro (Zohar II,230a), pois esta letra é a inicial da palavra ‘tov’, bom.


- ver “vinho em um sonho, se é um rabino, significa ‘bom’ (Zohar III, 14b), pois o estudo da Torah é como o bom vinho.”.

“Pode-se perguntar, pensando de novo à história de Rav Bina’ah, por que razão as interpretações podem diferir. De fato, uma vez que estamos no mundo dos arquétipos, é normal que o que um rabino verá, segundo a sua concepção do mundo, vai diferir do que verá um outro rabino. Os sonhos são, assim, individuais em função das suas interpretações, pois, um mesmo arquétipo, antes de ser uma base comum a todos, será adaptado de maneira diferente pela psyché de tal ou tal outra pessoa.”


“Zohar (I, 150b): “certos sonhos são verdadeiros, outros falsos”, o que corresponde a Berachot 55a “não há nenhum sonho que não contenha em si uma parte de mentira”. Assim, na mensagem do sonho se mesclam elementos perturbadores, parasitas, que devem ser analisados como tal e rejeitados pela interpretação. Além do que, é certo que todos os sonhos não são provenientes de fonte divina ou santa. De fato, pode ser que sejam ressurgimento de pulsões ocultas e destruidoras. O universo dos sonhos é o reino do inconsciente e, como tal, pertence ao domínio do bem E do mal. “Quando a alma do homem se eleva enquanto dorme, si ele é um pecador, sua alma é rejeitada para o lugar das forças e potências do mal, e é por esta razão que a gente se vê em sonho em um outro país” (Zohar III, 222b).”


“Igualmente, os sonhos podem ser utilizados para invocar não anjos, mas demônios, que devem responder, no terreno onírico, às questões colocadas pelo praticante: “as maneiras lícitas de poder invocar cada potência maléfica ou uma potência satânica, é invocar seu nome e, deste modo, o que será dito à pessoa será verdadeiro; você deve dizer, ‘te juro tal e tal Ammon de Non, o ministro da impureza, sentado à esquerda de Samael, vem com um arco curvado em sua mão direita, e a abominação da cruz em sua mão esquerda; vem somente esta noite, em um sonho, ou em este dia em um sonho, e realize meu desejo com ou sem palavras’. Em seguida, faça um voto. Ele virá e se revelará a você, sob a forma de um homem montando um asno preto ou um asno branco, ele se revelará sob uma destas duas formas.” (Citado por Sholem no “O Maguid”, pg. 109). Na tradição judia, é proibido invocar demônios; mas aqui, por meio dos sonhos, o cabalista não transgride nenhuma interdição. Ele sai da esfera temporal e se transporta nas esferas espirituais onde a proibição não age. ‘Te invoco e te peço de aparecer imediatamente, sem demora nem obstáculo, venha a mim em um sonho do dia ou em um sonho da noite, enquanto durmo, e não quando estou desperto.’ (Sefer haMeshiv, citado por Sholem em “The Maguid”, pg. 109).


“O único meio de se evitar de cair sob a influência de demônios ou espíritos impuros, quando entramos no domínio dos sonhos, é: recitar o Shema Israel, e outras preces que se revelarão como proteções muito eficazes para a viagem noturna.”


“Um ponto essencial relativo aos sonhos é que o elemento psicológico e o elemento espiritual são UM. Assim, não se deve rejeitar os elementos psicológicos dos sonhos, pois, eles também podem nos trazer uma mensagem. Isto está colocado em evidência no Zohar I, 199b: ‘devemos nos lembrar de um sonho bom e ele então se realizará; entretanto, se o sonho é esquecido dentro do coração do homem, igualmente ele será esquecido no mundo superior’.”


“Em um sonho, uma visão da noite, … então Ele abre os ouvidos dos homens… a fim de que ele possa guiar o homem na sua conduta” (Job 33, 16-17). Os sonhos nos são dados a fim de guiar nossa conduta e nos ajudar a retornar à D-eus. O Zohar III, 105b, nos diz: “uma pessoa que nada revelou em seus sonhos é chamada demônio”. Os sonhos implantam mensagens no mais profundo de nossa psyqué, uma forma de programação, que em nada prejudica o nosso livre arbítrio, pois, podemos ainda decidir de esquecer-nos dos sonhos.


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